A Travessa Ratcliff

A Travessa Ratcliff, uma ruazinha de uns 50 metros localizada no centro velho de Florianópolis, com chão de lajota dos tempos antigos, por onde não é permitido passar carros – só gente – é o lugar mais bem frequentado da cidade. Digo isso, aliás, pra não dizer outra coisa. Pois ali você pode encontrar de tudo: bêbados jogando xadrez na chuva, dois senhores de uns 70 anos dançando samba durante a tarde inteira, estudantes lésbicas com uniforme do colégio, um garçom australiano que só aprendeu três expressões em português – “cerveja gelada”, “seis reais” e “obrigado” – dentre outras coisas que é melhor nem falar.

Ou seja, na Travessa não tem revendedora da TIM, sertanejo universitário, suco de laranja e nem Igreja Evangélica, estas instituições tão fortes e tão disseminadas por todo o Centro da capital; e sim três bares muito simples e simpáticos, além do cineclube da Cinemateca e de um instituto de direitos humanos, o Arco Íris – instituto, aliás, que é o principal responsável pelo apelido carinhoso que a Travessa recebeu nos últimos anos: Traveca Ratcliff. É um destes raros lugares em que você senta com os amigos no final de tarde, bebe até a meia-noite, quando tudo fecha, divide a conta entre cinco pessoas e descobre que terá que desembolsar uma ninharia. Então você se nega a pagar tão pouco e pede mais umas tantas saideiras. O dono do bar geralmente vai entender o drama.

De terça a quinta não tem música na Travessa, mas não faz mal; o sujeito pode aparecer lá pra comer uma pizza no bar do Gustavo, que conta com o garçom mais boa praça da paróquia, o Sandrão. Ele sabe vários poemas de memória e também dá conselhos amorosos. Na segunda e na sexta, de preferência sem chuva, tem música sempre a partir das oito da noite. É a solução mais rápida e fácil pra ver a Simara, do grupo Torresmo à Milanesa, tocando cavaquinho e cantando Adoniran Barbosa. No sábado o samba é de tarde. A partir das 12h, no Canto do Noel, é servida uma feijoada de primeira qualidade por um preço muito do camarada, e logo depois o melhor grupo de samba da cidade, o Bom Partido, toca até o povo cansar. O problema é que o povo não cansa nunca. Então eles têm que encerrar o samba mesmo assim.

E quem não gosta de samba é bom sujeito igual. Lá você vê gente vestida de preto bater papo com malandro de chapéu. A Travessa não é uma fronteira que separa rico e pobre, negro e branco, novo e velho. Já vi muita tiazinha dançando colado com estudante de história da UFSC, e vice-versa. Depois, no Australian Pub, bem do lado do Canto do Noel, só toca rock. Da última vez, o Bayla – vulgo Eduardo Rios – tocou violão, teclado, percussão e ainda cantou clássicos do A-ha, sua especialidade, tudo ao mesmo tempo. Nos dias de sábado, por exemplo, acaba o samba e já começa o rock. Tem gente que chega meio-dia e fica direto, só vai embora à noite, quase sempre pra lá de Bagdá.

A Travessa Ratcliff é um lugar tão legal que a nossa prefeitura dedicou a ela uma câmera de vigilância especial: durante 24 horas, tudo que acontece ali é registrado. Antes, a prefeitura quis – e havia conseguido – mudar o nome da travessa para Osmar Regueira, antigo proprietário do hotel Royal. Não deixa de ser curiosa a antipatia da prefeitura com o nome de Ratcliff que, ironia ou não, era um padre de origem alemã que se tornou conhecido, no início do século 19, como agitador republicano. No ano passado, depois de muita reclamação, a partir de um projeto de lei encaminhado pela vereadora Ângela Albino, o nome da Travessa voltou a ser Ratcliff.

Fonte: http://victordarosa.blogspot.com.br/2011/10/travessa-ratcliff.html

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